quinta-feira, 21 de junho de 2012

O lavrador carpe.
Eu produzo dons difíceis de comparar.
Ele produz,
levando à mesa o poema-abacate,
o feijãopoema.
De modo que para mim
sobra sempre o abacaxi.

Químicas

Qual injusta esta natureza
tão afeita a prata, ouro e cobre.
O que dizer do pobre do astato,
do esquecido polônio? - que veio da Polônia?
Talvez.
É. Parece broma.
Se mesmo o níquel vale mais do que o hélio
Como retirar oxigênio do potássio?
Sim. É preciso ter cálcio.
É preciso ser zircônio neste mundo nióbio e molibdênio.


Ó, metais que rutênios,
Aluminai!
quem vem do interior
conhece desde sempre a travessia.
de dentro
a vida parece maior.

Mora na Filosofia

A casa da Filosofia é azul; a casa da História é verde. Não é que ambas não se pareçam, uma vez que contêm móveis semelhantes. Ocorre, porém, que por terem cômodos de igual tamanho e fachada ao mesmo estilo, podem confundir alguns desavisados que por ali se perdem. Alguns as conhecem bem, as duas; outros preferem apenas uma das instalações, e por isso ignoram o funcionamento da outra, o que não é de modo algum absurdo. Cada lugar tem um cheiro, uma vibração, uma história, uma filosofia, uma cor. O feng shui do conhecimento é mesmo um tanto complicado, pois consiste em botar cada objeto no seu lugar: pantufas de comunista na sapateira em mogno do quarto, pastilhas dialéticas hegelianas ao centro, marxistas à esquerda da despensa. O Amor pertence à Filosofia, enquanto a luta é um objeto da HIstória. Todavia, tais pertenças não indicam que não possa haver empréstimos, ao contrário: dentre as combinações possíveis, a que mais chama atenção - pela sua beleza de monumento - é a do Amor na casa da História, especialmente quando posto ao lado da Luta-objeto. História e Filosofia atestam o vigor e a profundidade de uma longeva amizade entre vizinhos.

Ritos, rituais

"Susa havia lido no 'Banquete' que para ser feliz era preciso amar o Belo, o que certamente agradou à sua consciência libriana. Suponho que deva ter sido um gozo semelhante ao que Pedro, dignamente sujo, sentiu ao ler os 'Contos de escárnio' de Hilda Hilst, 'O erotismo' de Bataille ou mesmo o 'Vigiar e Punir' foucaultiano, quando descreve as torturas."