segunda-feira, 20 de julho de 2015

da fresta da janela
a nuvem passa apressada

e a nuvem que olha diz:
você que me espia
não sabe que é você quem está passando
No inverno
quem perde o telhado
fica com as estrelas
Por ter a impressão
de viver num Portugal
penso ter o poder
de possuir gente, quando me convém.
                     É previso refazer
                     nossas fronteiras
A fim de que jamais tenhamos a estúpida ilusão
De ser dono,
de ser pai,
de ser senhor

O misero não arrepender-se

Com o peito delirante de orgulho
e a espada dourada dos holocaustos
                 nas mãos firmes e viris
há aqueles que dizem
com toda a seiva que extraem de
                           suas glórias:
"Eu jamais me arrependi".

A culpa, este adereço afável
artigo barato
não os atinge,
                    por estarem acima.

Eu,
monstro tépido cheio de medo,
tenho escancarado a todos
- e aos que não querem ouvir -
o meu desfazer eterno:
Penélope sem heroísmo.

O não arrepender-se é uma estrada
                          sozinha no mundo
e por isso, menos estrada do que as outras.
O não arrepender-se é sentar-se sempre ao lado
Daquele de quem sempre se senta ao lado.
É não voltar à vida
e ignorar que a morte jamais será
         o avesso da vida,
embora o contrário não seja verdadeiro.

O homem que entrou em casa alheia
e não se arrependeu
é um forte.
Por isso me dão medo os fortes -
                     Porque são
                               serão
                          passarão
                                 hoje

À revelia

No primeiro dia uma luz enorme
veio e me abriu os olhos:
batizaram-me Fernando.
E para desgosto e glória dos
céus
amou ser poeta, embora
a poesia não o amasse.

(assim, como um amante forçoso
escrevo como um teimoso
sobre a luz que escorre
e sobre as calças que visto)
Ó fábula traiçoeira
da menina que queria saltar e pulou
            para o nada
                       até que o vazio
                       a abraçasse
já tiveste a impressão
de viver cada dia
não por bravura,
nem por convicção
        mas apenas por desespero?