Cruz na porta da tabacaria, naquela mesa está faltando ele.
Eu quero enveredar pelo discurso do vácuo. Olhe bem, não do vazio. A lágrima retida, tabacaria antes das sete: eu queria ser o princípio das coisas antes que elas tivessem uma natureza, e me sentir pleno por isso. O tempo compreendido antes do ato, a dor antes do parto. E, não sendo o futuro, não tenho o compromisso de existir, mas de sobreviver ao começo. Eu quero ser a tempestade do dia de sol, o dia calmo do eclipse. Meu desejo é superar a monotonia do bem-estar que trazia: o avesso da falta, porque pairo. O registro do que passará, memória do devir.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Natureza
Ele tinha a casa, a família e um lote para capinar. Ele tinha um lote para a família, a casa, uma outra casa sem capinar e muito trabalho pela frente. Ele tinha a frente da casa, muito trabalho pela família e um outro lote comprado decentemente. Ele tinha um trabalho decente, uma família comprada, uma outra, uma casa na frente. Ele tinha outra casa comprada em frente, tinha decentemente uma família.
domingo, 18 de setembro de 2011
Noção de impermanência
Volto ao quarto com um pouco de tristeza. É como visitar um túmulo. Choro outra vez, estou expulsando meus demônios.
- E quando acontecer comigo?
- Aí você não vai poder escapar.
O fim é quando você não tem para onde escapar, concluo.
- E quando acontecer comigo?
- Aí você não vai poder escapar.
O fim é quando você não tem para onde escapar, concluo.
Falling down, climbing up
A tentativa redime o fracasso? "Bird on a Wire", de Leonard Cohen, é um tributo à redenção de quem, independente do nível de cultivo de auto-indulgência pelos seus atos, considera-os um desajeitado ensaio de vontade. Franz Reichelt, este senhor em preto-e-branco, passou à memória do mundo pela sua ousadia em saltar da torre Eiffel com o que se poderia chamar um arremedo de paraquedas. Os vivos admiram a ousadia ou zombam do fracasso? Quando Ismália enloquecer, certamente ficarão com a segunda opção. Porque é fácil e bonito e desejável estar vivo e ser forte, manter-se do lado de cá da linha, de pé e aquecido.
O que quase ninguém sabe é como é a vista do abismo pelo lado de baixo. Aquele segundo de comoção que envolveu os espectadores do salto final de Reichelt soou como um chicote. As vozes alvissareiras de um progresso in deram lugar a um evento out, curioso somente pela sua fatalidade. O discurso da prudência temperará a nação compadecida, e tantos outros super-homens da Belle Époque teriam preferido olhar da sacada, antes do almoço feito pela esposa. C'est pas mal.
Noventa e nove anos depois, mais um anônimo compassivo se dedicará a resenhar algo sobre aquele fevereiro. E, escolhendo o caminho bege da prudência, elogiará o sábio suicida, mesmo sem ter honrado em seus próprios atos a ambição de Reichelt. Ele salta para fora de sua janela insignificante recordando o verso de Cohen: "I have tried in my way to be free". Fecha o escaninho, guarda as canetas e dorme. São mortes revisitadas, o ensaio de não existir. É hora de dormir, pequeno.
sábado, 17 de setembro de 2011
Vela acesa
Que fique bem claro: odeio a grande maioria blogs e mesmo o ato de criá-los. Não gosto mesmo da ideia de visitar ou desejar que alguém visite uma página pessoal com a finalidade única de desprezar o trabalho alheio ou, pior, em glorificar-se (a si ou ao outro) pela enxurrada de sensaboria e frivolidade que grassa neste meio. Acontece que há coisas que precisam ser ditas de alguma forma. Coisas que o próprio papel não pode reter.
Este é um blog de poesia em potencial. É o oxigênio comburente de ideias que morreriam no subsolo. É uma vela acesa em Marte, pouca gente a verá. E é bom mesmo que seja assim. Seria o final mais poético para uma força que já não encontra eco no universo desde Baudelaire.
Abjetamente, muito prazer.
Fernando M.
Este é um blog de poesia em potencial. É o oxigênio comburente de ideias que morreriam no subsolo. É uma vela acesa em Marte, pouca gente a verá. E é bom mesmo que seja assim. Seria o final mais poético para uma força que já não encontra eco no universo desde Baudelaire.
Abjetamente, muito prazer.
Fernando M.
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