domingo, 11 de dezembro de 2011

A visitadora

Se eu tivesse que chorar, chorava no meio da rua, ah meu deus que ingenuidade a sua. quando ela veio todos se levantaram. ela sentou-se, senhora de todos, e começou a entoar um samba antigo. amigas vozes se atordoaram no tecido da música, dela mesmo é que falavam, e ela se sentiu extasiada e prestigiada.


Eu prefiro contar antes sobre o morro. Era bem assim, nos sábados aleluia era o samba cantado, e o Homem era completo. A rua era tomada por moleques, pelo cheiro de fritura com asfalto quente e resíduo de pobreza. Um número bonito de gargantas chorava cantando em vibração consorte à do bandolim. Cuíca pagava pra ver, Todo respondia e não havia o que não sorrisse. E era bonito ver uma cor em cada casa, menos marrom e preto, que davam azar. Quando o por-do-sol buscava os tetos um vate qualquer, Bilac do subúrbio, distraído em sua estrela do cruzeiro, dedilhava o mi primevo. Cavaco pra valer. Quanto a mim? Nem olhei, me miraram. Tchum. Isso dava matéria de jornal, ou também pesquisa acadêmica.


Ela continuava sombria e cativante na sua cadeira quantos mais se curvavam adiante, ela nunca se importava, queria somente a mesa, aquela, aquele povo para sempre - ela nunca se esquecia. Ah, este cheiro de café que me mata e a gente ria bastante, não era sempre que ela vinha sorridente, embora amasse o barulho da gente, o fuá da praça onze.


A preferida das massas, a Derradeira. Sorriu para Cartola e ensaiou a melodia de juízo final, do Vanzolini.  Ah, que beleza... Satanás fritando a bicha!!!!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Faria Lima

[Berrini]


Sinal aberto. "Vamo, porra!", onde este lixo acha que está? Só porque quero voltar cedo hoje. Cedo não, antes das nove. Calor... E este ar que não funciona?


[Funchal]


Ela me deu bola de novo hoje. É, Dona Maria, a senhora vai dançar. Aquele relatório mal-feito. Refazer. Já. Aliás, já é o tempo de queimar o Jorge, como erra! A tal laranja podre, não é?... O cara tem família e tal, mas vou fazer o quê?
Hoje, não sei... profiteroles certeza.


[Juscelino]


Bem, pensando bem eu acho que fiz bom proveito do meu tempo. Vejo amigos hoje, cada um com sua época preferida. É engraçado como eu estava na época preferida de cada um deles. Veja bem, não é para me gabar, mas vivi bastante quando não estava nessa loucura. Está compensando. Não sei mais quanto dinheiro eu tenho, mas é tudo muito honesto. Quase. Tudo bem feito, amarradinho. É só ninguém dar com a língua nos dentes. Difícil.


[Faria Lima]


Saudade da Alice. Se pesar direito, nem a vi crescer. A gente aparece, um dia aqui, outro ali. Eles crescem, né... Aí tomam asas, e a gente que tem esta vida atribulada e põe o errado por cima do certo, conta e leva dinheiro


- Pá -


***

domingo, 27 de novembro de 2011

Abraçar

Em Seu Delírio, joão Foi Reduzido a Um Nome.
Por Este Motivo Tornou-se Um Homem Feliz.


Reuniu Para Si A Mágoa, e A Apagou, Como Se Faz A Um Rascunho. Escrevia Nas Mãos Felicidade, Disciplinara-se em Nomear o Indefinível A Cada Minuto Em Seus Olhos, De Tal Maneira Que Mesmo Quando Vagava Displicente Pela Rua Podia Visualizar A Cor Do Absoluto. Era Uma Cor Bem (Assim) Transfigurada Ou Quem Sabe (Saberia) Azul Turquesa, e Tornava Translúcida Toda A Alegria. Uma Selva De Cores, Era Bem O Que Era. A Cidade, Entretanto, Respondia-Lhe Com Tons Cada Vez Mais Cinzas, Skyscrapers, Dinheiros Cem Mil Duzentos Jogados Na Boca Do Lixo. Bem, Ou Não Bem, Reduziu-se À Sua Amarga e Plena Condição De Nome - O Que Provocava A Inveja Dos Que Se Haviam Resumido A Uma Questão De Números - e Foi Buscar O Único Lugar Que Lhe Escapava.


assim criou, comunicou e entregou-se a um absoluto.
deus abraçou-o à sua chegada, como sói abraçar a um filho, ao que joão retribuiu, dizendo baixo:
- é como acordar.

sábado, 15 de outubro de 2011

Bufonismo

hoje ao sair de casa me dei conta de que esqueci quem eu era peguei uma bandeira amarela e saí pela rua a gritar que era uma bandeira amarela gritante um policial veio me deter e eu disse você não pode me deter, porque eu sou uma bandeira e tenho princípios ele me disse vai se foder seu reacionário cusão e me jogou na cadeia porque eu era uma bandeira amarela.


quando meus pais pagaram a fiança eu resolvi me exilar na coreia do sul porque nenhum brasileiro xucro tinha capacidade de entender os meus ideais mas na coreia do sul o pessoal não gostava tanto assim de bandeiras amarelas porque num país amarelo isso soava um tanto fascista.


então hoje eu escrevo livros de doutrina da bandeira amarela para neófitos, aqui, na prisão de yeong chu, recebendo camaradas amarelos que gritam em praça pública pela urgência da bandeira amarela neste mundo cheio de grandes cooperativas a veja me adora me chamou de ícone e por isso fez as páginas amarelas.

Ética de Samurai II

Inimigo é todo senhor contrário ao seu senhor.


"Quando Shoji me disse que havia se corrompido, tive vontade de matá-lo. Ao menos, submetê-lo. Trair é atributo dos fracos, e não me constava motivo suficiente para que minha irmã recebesse esse castigo. O meu senhor é um homem inteligente, disciplinado e justo. Comuniquei-lhe a minha revolta e ele disse que Shoji agira de forma dúbia: estava certo e errado. Certo porque, se o fizera, é porque minha irmã o deixara dispersar; errado, porque ele agira contra o amor em seu próprio domínio.


Concluí que estava eu também sujeito à desonra quando percebi a criada Mitiko ouvindo, por detrás do biombo, nossa conversa. Tive vontade de atravessá-la com minha espada. Em minha mente o mal crescera, tomara forma de dragão, e já se alinhava como injustiça, tal qual uma linha de ataque em formação. Shoji, que era mais fraco do que eu, compunha esse exército, e eu me vi disperso a seu lado. Tentei a todo custo matar sua sombra no meu delírio."

Ética de Samurai I

Como não tivesse um exemplar do Bushido entre os despojos, guardara nas mãos a firmeza de um guerreiro.
Separou a ração que deveria servir à nação de que provinha. Jorge, seu senhor e pai moribundo. Com os olhos obstinados e a elegância de um dândi, andou por três milhas e parou à beira do São Francisco.
Era gente demais, fome demais e comida de menos, não lhe cabia que fosse assim, tantos outros com fome.
Era o grande São Francisco, a guerra não havia de terminar nunca. Mais honroso viver e ensinar novos samurais.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Você não quer paz, Obama

- Você tem nome de africano e alma de ianque.
- Yes, sir.
- Então você deveria ser a própria liberdade. Por que, Obama, não à Palestina?
- O meu país é feito de sangue e sexo. É a economia que veneramos.
- Você não acredita em liberdade?
- Sim. Lutamos muito por isso.
- Qual é a sua definição de liberdade?
- ... Liberdade é poder. Se você mata um homem e está consciente que o fez em nome de um poder maior, está próximo da felicidade, porque está perto do Bem. Há bons e maus homens, como há boas e más mulheres. O sagrado direito à liberdade deve ser mantido, ampliado e justificado, e é por ele que somos os machos-alfa da Humanidade.
- Algumas pessoas serão sacrificadas por isso.
- Fatalmente. Mas é preciso reconhecer, com certa inveja, que ao contrário desses, não nos espera uma legião de virgens.

Cosmogonia indígena

tupi era motoqueiro e tinha cabeça quente o dia inteiro pelo sol. era uma vez ele estava pela rua grande ao lado do rio. era quando era quase noite e um grande bicho de lata apareceu morto no canteiro. ele teve que desviar o seu caminho até um belo campo muito cheio de árvores grandes perto do rio. havia uma árvore mais bonita do que as outras, muito robusta, cheia de flores de uma cor muito bonita. a árvore toda era uma flor rija e bonita, e ele parou para ver. quis chamá-la jacarandá, porque era uma madeira muito bela e forte. num galho ele viu um bichinho peludo e pequeno saltando nos galhos bonitos do jacarandá. ele tinha uma cara muito marota, era muito rápido e muito feliz. tupi lhe deu o nome de sagui, porque era pequeno e feliz. o jacarandá balançava com o vento e apareceu uma ave linda e pequena que parava de voar quando estava perto das flores. ela tinha penas coloridas e um bico muito longo e gracioso.
mas tupi não conseguiu pensar num nome bonito para uma ave tão linda.
foi quando uma moça morena de cabelo escuro apareceu e disse a ele: este é o beija-flor. tupi se virou, olhou para ela e viu que ela era mais bonita do que a ave bonita. ele ficou sem palavras.
e o mundo começou a existir.

sábado, 1 de outubro de 2011

Alegria


Angenor, na janela, fumando um cigarro. Sobre o véu escuro de um tanto de decepções, é onde flutuamos. Existe uma voz antiga que cala sempre quando há alegria, e é no avesso da certeza que vige a poesia. Cobrir-se de um manto de incerteza, fumaça de cigarro, dos timbres do violão. Para tanger a lira de esperanças vagas ele esmera-se na moldura, tornando-a obra de arte parnaso-popular, fantasia de carnaval. Porque quando o vate, azougue de linhas tortas, brinca com coisa séria, amor, flor e dor são termos belamente rimáveisAngenor fumando um cigarro em sua janela. Jaz mais uma bituca. Si bemol, Canhoto...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Profissão de Fé da Subtração

Cruz na porta da tabacaria, naquela mesa está faltando ele.


Eu quero enveredar pelo discurso do vácuo. Olhe bem, não do vazio. A lágrima retida, tabacaria antes das sete: eu queria ser o princípio das coisas antes que elas tivessem uma natureza, e me sentir pleno por isso. O tempo compreendido antes do ato, a dor antes do parto. E, não sendo o futuro, não tenho o compromisso de existir, mas de sobreviver ao começo. Eu quero ser a tempestade do dia de sol, o dia calmo do eclipse. Meu desejo é superar a monotonia do bem-estar que trazia: o avesso da falta, porque pairo. O registro do que passará, memória do devir.

Natureza

Ele tinha a casa, a família e um lote para capinar. Ele tinha um lote para a família, a casa, uma outra casa sem capinar e muito trabalho pela frente. Ele tinha a frente da casa, muito trabalho pela família e um outro lote comprado decentemente. Ele tinha um trabalho decente, uma família comprada, uma outra, uma casa na frente. Ele tinha outra casa comprada em frente, tinha decentemente uma família.

domingo, 18 de setembro de 2011

Noção de impermanência

Volto ao quarto com um pouco de tristeza. É como visitar um túmulo. Choro outra vez, estou expulsando meus demônios.


- E quando acontecer comigo?
- Aí você não vai poder escapar.
O fim é quando você não tem para onde escapar, concluo.

Falling down, climbing up


A tentativa redime o fracasso? "Bird on a Wire", de Leonard Cohen, é um tributo à redenção de quem, independente do nível de cultivo de auto-indulgência pelos seus atos, considera-os um desajeitado ensaio de vontade. Franz Reichelt, este senhor em preto-e-branco, passou à memória do mundo pela sua ousadia em saltar da torre Eiffel com o que se poderia chamar um arremedo de paraquedas. Os vivos admiram a ousadia ou zombam do fracasso? Quando Ismália enloquecer, certamente ficarão com a segunda opção. Porque é fácil e bonito e desejável estar vivo e ser forte, manter-se do lado de cá da linha, de pé e aquecido.


O que quase ninguém sabe é como é a vista do abismo pelo lado de baixo. Aquele segundo de comoção que envolveu os espectadores do salto final de Reichelt soou como um chicote. As vozes alvissareiras de um progresso in deram lugar a um evento out, curioso somente pela sua fatalidade. O discurso da prudência temperará a nação compadecida, e tantos outros super-homens da Belle Époque teriam preferido olhar da sacada, antes do almoço feito pela esposa. C'est pas mal.


Noventa e nove anos depois, mais um anônimo compassivo se dedicará a resenhar algo sobre aquele fevereiro. E, escolhendo o caminho bege da prudência, elogiará o sábio suicida, mesmo sem ter honrado em seus próprios atos a ambição de Reichelt. Ele salta para fora de sua janela insignificante recordando o verso de Cohen: "I have tried in my way to be free". Fecha o escaninho, guarda as canetas e dorme. São mortes revisitadas, o ensaio de não existir. É hora de dormir, pequeno.

sábado, 17 de setembro de 2011

Vela acesa

Que fique bem claro: odeio a grande maioria blogs e mesmo o ato de criá-los. Não gosto mesmo da ideia de visitar ou desejar que alguém visite uma página pessoal com a finalidade única de desprezar o trabalho alheio ou, pior, em glorificar-se (a si ou ao outro) pela enxurrada de sensaboria e frivolidade que grassa neste meio. Acontece que há coisas que precisam ser ditas de alguma forma. Coisas que o próprio papel não pode reter.


Este é um blog de poesia em potencial. É o oxigênio comburente de ideias que morreriam no subsolo. É uma vela acesa em Marte, pouca gente a verá. E é bom mesmo que seja assim. Seria o final mais poético para uma força que já não encontra eco no universo desde Baudelaire.


Abjetamente, muito prazer.
Fernando M.